Vamos começar este post de um jeito um pouco diferente: com um cenário.
Em uma determinada empresa, os gestores identificam uma grande oportunidade de substituir o produto A por uma versão mais nova, que vai trazer mais lucros: A+. Então, tomam a decisão de não produzir mais o produto A, retirando essa mercadoria do catálogo. E informam a todos que o produto A não será mais vendido — mas, com medo de que a notícia do produto A+ vaze no mercado, não explicam o motivo a ninguém.
Sabendo que a economia está em crise, os colaboradores da empresa e os acionistas interpretam essa informação incompleta no sentido mais negativo. Acham que é um sinal de que a empresa está passando por dificuldades graves; logo, boatos se espalham de que a companhia vai falir. Os colaboradores ficam desmotivados, os acionistas retiram seus investimentos — e o que deveria ser um momento de crescimento, torna-se um ponto baixo na história da empresa.
E então, na sua opinião, o que foi que deu errado?
A resposta é que a empresa do nosso cenário não está praticando a gestão transparente. No post de hoje, você vai entender melhor por que ela é tão importante e como pode ser aplicada. Boa leitura!
Entenda o que é uma gestão transparente
A gestão transparente é um modelo de gerenciamento de empresas que prioriza — é claro — a transparência. Isso significa que as informações não ficam limitadas a alguns poucos privilegiados na pirâmide hierárquica. Aliás, a própria pirâmide fica de lado, permitindo relações mais horizontais dentro da organização.
É muito importante ressaltar que, nesse modelo, o papel do gestor muda um pouco. Ele não é mais aquele que centraliza decisões e que distribui ordens. Em vez disso, adota um estilo mais participativo e coloca-se como facilitador para a equipe.
Conheça os benefícios de gerir de forma transparente
Uma das principais vantagens da gestão transparente é que a democracia na distribuição da informação serve para reforçar a confiança dos donos e diretores na equipe intensificando, dessa forma, o senso de união. Quando entendem exatamente qual é o reflexo dessa ação sobre o negócio, todos os colaboradores sentem-se mais à vontade para executar o trabalho.
Outra vantagem importante é que a gestão transparente favorece a retenção de talentos. Quando a sua equipe é formada por profissionais altamente capazes, pode ter certeza de que eles não querem ficar por fora do que está acontecendo no ambiente organizacional. A falta de informação transmite uma falta de confiança que vai contra as suas expectativas — e eles ficam mais suscetíveis a buscar outras oportunidades de trabalho. A gestão transparente é, portanto, a melhor maneira de evitar essa evasão.
A gestão transparente também possui um interessante efeito sobre o engajamento e o senso de responsabilidade da equipe. A partir do momento em que todas as informações sobre a empresa e seu desempenho são compartilhadas, os colaboradores começam a assumir seu papel nesse desempenho. As vitórias e os fracassos deixam de ser algo limitado à esfera dos gestores para se tornar resultados compartilhados.
Por esse motivo, dentro do modelo de gestão transparente, o que importa não são cargos — mas funções. Assim, o auxiliar, o analista sênior e o diretor podem ter a mesma importância diante de um projeto. A justificativa é que todos desempenham funções que impactam o projeto, mesmo que seus cargos sejam, no papel, de pesos distintos.
Não podemos nos esquecer, também, do resultado positivo da gestão transparente sobre os conflitos na equipe. A maioria dos problemas entre colaboradores surge devido a informações incorretas ou incompletas, circulando boca a boca. O próprio gestor e a centralização das informações são responsáveis por esse cenário. Resolvendo esse problema, a harmonia retorna às relações internas. Desnecessário dizer que a produtividade aumenta, não é mesmo?
Saiba o que é necessário para ter transparência na sua empresa
A gestão transparente é um movimento muito amplo. Embora sua definição seja simples, existem muitas ações — algumas grandes, outras pequenas — que colaboram para sua implementação efetiva.
Redução da burocracia na comunicação
Boa parte da troca de informações ocorre no contato direto entre as pessoas que trabalham na empresa. Mas esse contato encontra obstáculos, principalmente, quando envolve gestores e geridos. Nas empresas mais tradicionais, é preciso marcar hora para falar com um gerente ou diretor. A gestão transparente propõe o fim dessa burocracia, com ações como:
- a eliminação da agenda de atendimento aos colaboradores. Qualquer membro da equipe pode falar com um gestor, a qualquer momento;
- a integração dos gestores para trabalhar no mesmo ambiente que o restante da equipe, sem salas privativas e sem paredes divisórias;
- a eliminação de privilégios, como banheiros e salas de refeição exclusivas, para aumentar a quantidade de tempo que os gestores passam com seus geridos.
Em resumo, os gestores devem se integrar mais ao restante da comunidade interna, em vez de ficarem isolados.
Diga-se de passagem, esse reposicionamento também ajuda muito a estimular o fluxo da comunicação no sentido reverso, isto é, permitindo que o gestor receba informações da sua equipe. Com isso, haverá um embasamento mais sólido para tomar decisões.
Desenvolvimento de meios de comunicação internos
Os meios de comunicação internos, como newsletter interna e mural de avisos, na realidade, já existem. O problema é que eles não são aproveitados em todo o seu potencial, pois as informações que trazem são altamente selecionadas e editadas. Em resumo, eles sempre trazem uma versão “filtrada” do que deve ser informado aos colaboradores.
Infelizmente, o que isso faz é tornar os meios de comunicação internos absolutamente irrelevantes. Nenhum colaborador realmente se importa com eles, pois é de conhecimento geral que só trazem as informações mais superficiais.
Para que os meios de comunicação internos sejam eficazes, eles devem trazer informações importantes e completas.
Neste momento, alguns gestores habituados ao modelo tradicional de distribuição das informações devem estar pensando: “mas eu não quero que todos os colaboradores saibam de tudo!”.
Bem, se você acha que alguns colaboradores não devem ser informados sobre certas coisas, o problema não é a informação em si. Na realidade, você não confia nesses colaboradores, o que aponta para um problema de formação da sua equipe. Se isso acontece, talvez seja hora de rever seus processos e critérios de seleção e recrutamento. E isso nos leva ao próximo ponto.
Formação da equipe
A construção de uma relação de confiança dentro da empresa só é possível quando já existe a semente dessa confiança desde o momento da contratação. Entretanto, muitas organizações assumem a postura contrária, duvidando dos colaboradores até que eles “provem” que são dignos de confiança.
O problema é que, até chegar a esse ponto, a relação já está desgastada. Afinal, os colaboradores não são ingênuos; eles logo percebem quando o gestor não está disposto a ser transparente. Então, podem tornar-se indiferentes, desmotivados, até críticos. O que acaba confirmando as dúvidas do gestor.
Para dar um ponto final a esse ciclo vicioso, o ideal é rever todo o processo de seleção e recrutamento, para que você contrate somente profissionais em quem possa confiar irrestritamente desde o começo. Isso exige que você seja muito mais rigoroso; por exemplo, em vez de avaliar apenas competências, terá que analisar também o chamado “fit cultural” — isto é, analisar se o colaborador apresenta valores compatíveis com os da empresa.
Utilização de ferramentas tecnológicas
As empresas adotam ferramentas tecnológicas por muitas razões: aumentar a eficiência, simplificar os processos, diminuir a incidência de erros. Muitas vezes, passa desapercebido o fato de que essas ferramentas também favorecem a gestão transparente.
Pense, por exemplo, em um sistema informatizado como um ERP ou CRM. Nesse software, ficam registrados todos os pedidos recebidos e faturados pela empresa. Assim, qualquer pessoa com permissão de acesso pode entrar no sistema e descobrir o quanto a empresa vendeu em um determinado período.
Essa informação — que é absolutamente relevante — nem sequer precisa ser repassada pelos gestores. E, por ser gerada automaticamente, é confiável: todos sabem que não foi “maquiada”.
Por esse motivo, as ferramentas tecnológicas podem ser uma maneira simples de democratizar o acesso à informação dentro da empresa.
Entenda a importância do compliance para a gestão transparente
Compliance é a atividade dedicada a garantir o cumprimento das normas da empresa. De maneira geral, ela costuma ser associada ao combate à corrupção, principalmente em organizações que fazem negócios com o governo ou naquelas que atuam em segmentos com altos padrões de regulação — como farmacêutico ou automotivo. Porém, na realidade, o compliance pode ser aplicado em qualquer tipo de empresa — e em todas as situações.
Mas, afinal de contas, como essa atividade se relaciona com a gestão transparente? Bom, para responder a essa pergunta, precisamos passar por outro conceito: governança corporativa.
Governança corporativa é um conjunto de práticas voltadas a aumentar a confiança dos stakeholders (os interessados no sucesso do negócio: colaboradores, clientes, sócios e acionistas, parceiros, fornecedores, e assim por diante) nos administradores. Essa confiança, é claro, está diretamente ligada à tomada de decisões, já que os stakeholders desejam que os administradores tomem boas decisões, para que seus interesses não sejam prejudicados.
Vamos ilustrar com o caso, por exemplo, de um acionista. Ele precisa ter confiança nos administradores da empresa X para investir seu dinheiro nela. Essa confiança só vai existir se os administradores dessa empresa apresentam práticas de tomada de decisões sólidas, o que é assegurado pela governança corporativa.
Como é possível notar, gestão transparente tem uma forte relação com a governança corporativa. Uma das melhores práticas de tomada de decisão é, justamente, a transparência, que fortalece a confiança entre stakeholders e administradores.
Dito isso, onde entra o compliance?
Compliance é o que vai garantir que as normas de transparência sejam devidamente aplicadas, levando ao exercício de uma gestão transparente, que servirá de base para a governança corporativa.
Como é um assunto complexo, é interessante criar um esquema para facilitar o entendimento:
- uma empresa estabelece certos parâmetros de gestão transparente;
- o compliance garante que esses parâmetros serão cumpridos;
- o resultado é mais confiança entre stakeholders e administradores, isto é, uma melhor governança corporativa.
Portanto, a gestão transparente está diretamente relacionada ao compliance e à governança corporativa.
Como aplicar o compliance
O compliance pode ser aplicado como uma prática ou pode ser constituído por um setor independente.
Essa segunda alternativa garante maior imparcialidade, embora não seja a opção mais interessante para empresas de menor porte. Quando é possível formar um setor responsável pelo compliance, a maneira mais eficaz de assegurar que o seu trabalho será objetivo é trazendo um profissional de fora para desenvolver essa atividade.
Antes de mais nada, um lembrete: só é possível exercer o compliance quando já existe um código de conduta na empresa. Como você pode verificar se a equipe está obedecendo às normas, se não houver uma padronização de procedimentos e condutas? Bem, assumindo que esse código já foi elaborado, vamos continuar.
Apesar do papel essencial do compliance como elemento de ligação entre a gestão transparente e a governança corporativa, muitas vezes ele não é compreendido e chega a ser rejeitado dentro das empresas. Infelizmente, a cultura empresarial brasileira ainda enxerga qualquer forma de controle como uma forma de opressão e punição.
Não é o caso. Na realidade, o compliance é muito mais uma ferramenta de prevenção. Ações ilícitas e imorais podem prejudicar a empresa de várias formas. Portanto, é melhor abordar o problema internamente, antes que ele se torne incontrolável.
Mas nem todos entendem esse caráter do compliance, voltado à proteção da organização. Então, para que seja possível aplicá-lo sem desequilibrar o clima organizacional, existem algumas medidas que a sua empresa deve adotar.
Em primeiro lugar, a implementação deve ocorrer de cima para baixo. Isso quer dizer que os gestores devem ser os primeiros a se submeter ao compliance e trazer um exemplo positivo para o restante dos colaboradores. Aliás, qualquer nova prática ou política de uma empresa sempre tem mais sucesso quando os próprios gestores se submetem a ela.
A existência de uma cultura de gestão transparente será muito útil nesse momento, permitindo que se comunique abertamente as informações essenciais: o que é compliance, como e porque ele será adotado.
Em segundo lugar, é necessário estar atento a como o compliance vai lidar com as observações feitas. Vamos entender melhor.
Como já vimos, o compliance é dedicado a garantir o cumprimento das normas. Assim, ele vai observar quando as normas são observadas — e quando não são. Logicamente, é necessário produzir uma resposta a cada uma dessas situações — seja um incentivo ou uma sanção.
Incentivos e sanções precisam ser calibrados, isto é, justos. Existem dois pontos cruciais:
- que não sejam definidos pela posição do funcionário. Um gestor e um estagiário precisam receber, para ações iguais, incentivos e sanções iguais;
- que levem em consideração a gravidade da conduta, para que ninguém seja premiado ou repreendido em uma medida desproporcional aos fatos.
E como os conceitos presentes neste artigo — gestão transparente, compliance e governança corportativa — são interligados, a transparência também é um fator essencial no estabelecimento dos incentivos e sanções impostos por meio do compliance. Isso quer dizer que, desde o começo, toda a comunidade interna da empresa deve estar plenamente ciente das possíveis consequências do não cumprimento das normas. Nenhuma ação disciplinar deve acontecer de surpresa.
Em terceiro lugar, o compliance deve estar alinhado com os objetivos estratégicos da companhia. Então, não deve ser empregado em qualquer situação, mas apenas àquelas que influenciam na capacidade da empresa atingir suas metas. Não é inteligente usar o compliance para “fiscalizar” ações insignificantes, pois isso só reforçaria a ideia de que ele é uma forma de oprimir os colaboradores.
Fora isso, também é preciso fazer uma análise de riscos, para que o compliance possa se concentrar nas infrações que apresentam maior probabilidade de acontecer. Quanto maior o porte da empresa, mais necessária esta análise, pois torna-se inviável fazer uma fiscalização que seja, ao mesmo tempo, geral e minuciosa.
Desta forma, o compliance é voltado para situações que apresentem alta relevância e alto risco.
Como aplicar a governança corporativa
Agora que já elaboramos as sugestões para aplicar o compliance com sucesso, é hora de focar no terceiro elemento: a governança corporativa. Lembre-se de que a governança é um conjunto de práticas que visam reforçar a confiança entre stakeholders e administradores. Portanto, todas as sugestões desse item são voltadas para garantir duas coisas:
- que os gestores tomem decisões que beneficiem todas as partes envolvidas, e não apenas a si mesmos;
- que as outras partes saibam que as decisões tomadas seguem rígidos parâmetros.
Uma das recomendações mais comuns para aplicar a governança corporativa é formar um conselho consultivo.
O conselho consultivo é um grupo de 3 a 5 pessoas capacitadas, que poderão ajudar os gestores na tomada de decisões. Eles não possuem a palavra final, pois não fazem parte da empresa. O que eles fazem, com sua expertise e experiência, é oferecer um ponto de vista diferente. A criação desse conselho serve tanto para garantir que a empresa seja bem administrada quanto para tranquilizar os investidores, funcionários, fornecedores e clientes.
É importante não confundir o conselho consultivo com o conselho administrativo, que tem outro papel.
Se desejar, a empresa também pode elevar essa prática a outro nível, transformando a tomada de decisões em um processo mais inclusivo. Nesse caso, formam-se diferentes comitês, representando stakeholders internos e externos (funcionários, sócios ou acionistas, empresas parceiras, fornecedores essenciais). Todos esses comitês exercem participação na tomada de decisão dos gestores, ainda que limitada, pois não têm a palavra final.
O principal cuidado em relação à formação do conselho consultivo — ou de comitês — é evitar conflitos de interesse. Esse é um assunto delicado dentro de qualquer empresa, mas uma boa forma de abordá-lo é incluindo membros independentes — isto é, pessoas que não estão diretamente relacionadas à empresa. Eles equilibram a balança, pois não possuem interesses próprios em jogo na tomada de decisões.
Outra forma válida de aprimorar a governança é estabelecer princípios — conceitos bem gerais que devem guiar as tomadas de decisões dentro da empresa. A transparência é um princípio, mas não deve ser o único. Outros bons exemplos são:
- ética;
- equidade;
- responsabilidade social;
- respeito à diversidade.
A escolha dos princípios deve garantir que todas as decisões tomadas estão mirando para a direção certa. Assim, se um princípio da empresa X é “obtenção de lucro a qualquer custo”, não faz sentido que os administradores tomem uma decisão priorizando o aspecto humano em detrimento do financeiro. Não existem princípios bons ou ruins; o que importa é que eles estejam mesmo alinhados com a missão, visão e valores da empresa.
A governança corporativa também é beneficiada pela criação de registros, especialmente das reuniões de gestão. Tenha em mente que a tomada de decisão não deve apenas ser transparente no momento em que ela ocorre. É preciso que, a qualquer momento, um sócio — ou outro stakeholder — possa revisitar e entender uma situação do passado.
Por isso, registrar as reuniões de gestores em ata é indispensável. Dessa forma, o interessado poderá entender como — e por que — determinada ação foi tomada. Registros detalhados são uma prova física de que os gestores não têm nada a esconder sobre a maneira como conduzem os negócios na empresa.
No post de hoje, você viu o que é a gestão transparente — e como ela se relaciona aos conceitos de compliance e governança corporativa. Também explicamos algumas das melhores práticas para implementar cada uma dessas boas práticas.
O mais importante é que o gestor contemporâneo deve ter uma abordagem muito mais democrática em relação à informação, pois estamos em uma era na qual ela sempre encontra maneiras de vazar e se espalha em alta velocidade; portanto, práticas que eram comuns antigamente — como editar ou censurar — já não funcionam mais.
Se você quiser garantir um bom relacionamento da organização com todos os seus stakeholders, então a transparência é a melhor política. E a comunicação adequada, clara e objetiva, é sua melhor aliada.
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